Mike Cahill, Another Earth, 2011
Dois sci-fi vistos com um pouco mais de lupa
–notas para uma resenha de Another Earth (Mike Cahill, Estados Unidos, 2011) e La piel que habito (Pedro Almodóvar, Espanha, 2011)
Há uma espécie de oposto entre esses dois filmes. O primeiro é um drama sci-fi um tanto sentimental, que só se salva graças ao empenho da jovem equipe e certa situação proposta pelo roteiro. (Mas como se salva bem!) O segundo, também com sua carga de ficção científica, é uma comédia negra – mas em qualquer caso uma comédia, como muitos críticos esqueceram de dizer – em que mais uma vez e de forma brilhante Almodóvar inunda Hollywood com as convenções das telenovelas latinas.
O grau de comédia de La piel que habito pode ser aferido em diversas passagens. Passa pelo folhetim da trama. Alia-se ao excesso de grotesco. Como na chegada de Zeca fantasiado de tigre à casa de seu irmão médico depois de assaltar um banco. Ou o desejo que Vicente nutre pela assistente lésbica da mãe e sua fantasia de, nem que por um dia, envergar um dos vestidos do ateliê.
Zeca e Marília constituem, sem embargo, os personagens mais folhetinescos do filme. E os mais divertidos. A trama é perfeitamente refolhetinada: o fato de Robert desconhecer que Marília é sua mãe e Zeca seu irmão, por exemplo, é bastante telenovela. O que Almodóvar burilou nesse ínterim foi sua mestria em dominar a forma cinema. Impregná-la de folhetim barato e de kitsch, saturar o cinema do que se lê nas revistas, ouve no rádio, vê na TV ou na internet e causa certa repulsão estética – preocupação semelhante à da Tropicália na música – sempre fez parte de seu projeto. Incorporar essa repulsão, esses sobejos de feiura, que certos teóricos afundam no inferno. E, então, a tarefa de Almodóvar semelha um esforço de desrecalcamento do cinema – arte considerada "nobre", a sétima delas. O que ocorre agora é que ele conduz essa mescla como ninguém. E aqui, a exemplo de nas comédias negras dos irmãos Coen, o que dá para rir dá igualmente para chorar. Embora em alguns trechos seja impossível não rir. O espaço em que Vera está aprisionada, permanentemente monitorado por câmeras, é uma espécie de versão doméstica de Big Brother.
Zeca e Marília constituem, sem embargo, os personagens mais folhetinescos do filme. E os mais divertidos. A trama é perfeitamente refolhetinada: o fato de Robert desconhecer que Marília é sua mãe e Zeca seu irmão, por exemplo, é bastante telenovela. O que Almodóvar burilou nesse ínterim foi sua mestria em dominar a forma cinema. Impregná-la de folhetim barato e de kitsch, saturar o cinema do que se lê nas revistas, ouve no rádio, vê na TV ou na internet e causa certa repulsão estética – preocupação semelhante à da Tropicália na música – sempre fez parte de seu projeto. Incorporar essa repulsão, esses sobejos de feiura, que certos teóricos afundam no inferno. E, então, a tarefa de Almodóvar semelha um esforço de desrecalcamento do cinema – arte considerada "nobre", a sétima delas. O que ocorre agora é que ele conduz essa mescla como ninguém. E aqui, a exemplo de nas comédias negras dos irmãos Coen, o que dá para rir dá igualmente para chorar. Embora em alguns trechos seja impossível não rir. O espaço em que Vera está aprisionada, permanentemente monitorado por câmeras, é uma espécie de versão doméstica de Big Brother.
La piel que habito, com seu quinhão de ficção científica, também aproxima-se de pesadelos bem ordenados, mas nos quais a própria representação é atacada, caso em castelhano, de La invención de Morel, o romance de Bioy-Casares – que também pode ser lido como uma grande comédia.
Já Another Earth são outros quinhentos. Além de nos apresentar uma atriz, Brit Marling, de quem ainda se vai ouvir falar, guarda aquele frescor de filme artesanal, feito no quintal de casa. Apela fundamentalmente para duas obsessões, dois mitos americanos – a conquista do espaço e uma segunda chance na vida tomada no nível do pragmatismo – para através de ambos promover uma purgação de culpa. Uma compensação. Uma purgação pueril, de resto. Pois como devolver a John os anos sem a família? Ou, indo mais longe: como compensá-lo de alguma forma? Quer dizer, o filme é instigante porque visualmente atrai e indica o quão longe pode chegar o diretor e a jovem equipe que o realizou com tão parcos recursos. Mas em termos de trama não deixa de ser abissalmente ingênuo.
No epicentro mesmo dessa trama, a relação entre Rodha e John é tudo menos complexa ou tensa, realista, verossímil. A própria e fascinante condição da duplicação, no entanto, é o que abre estimulantes possibilidades e responde pelo clima feérico do filme. E responder pela criação desse clima feérico não é fácil. Na ficção-científica quem talvez haja atingido algo próximo à perfeição manejando um orçamento limitado foi Tarkovski com seu Stalker (1979). À sua vez, ao situar a aproximação do planeta duplicado, em vez de apontar para a histeria, Mike Cahill indica uma crise existencial coletiva, o que é algo tão mais saudável. E compõe uma solução diversa da que ocorre em filmes análogos.
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