sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Oráculo Manual e Arte da Prudência: Gracián


Ivor Abrahams,
1977



'Saber con
recta intención'

16. Saber con recta intención. Aseguran fecundidad de aciertos. Monstruosa violencia fue siempre un buen entendimiento casado con una mala voluntad. La intención malévola es un veneno de las perfecciones y, ayudada del saber, malea con mayor sutileza. Infeliz eminencia la que se emplea en la ruindad. Ciencia sin seso, locura doble.

Baltasar Gracián


'Saber com reta
intenção'

16. Saber com reta intenção. Asseguram fecundidade de acertos. Monstruosa violência foi sempre um bom entendimento casado com uma má vontade. A intenção malévola é um veneno às perfeições e, ajudada pelo saber, perverte com maior sutileza. Infeliz capacidade a que se emprega na ruindade. Ciência sem siso, loucura dupla.




Nota - Balasar Gracián (1601-1658) é o duplo de Vieira (1608-1697). Em tudo e por tudo. Enquanto Vieira viveu na periferia do Império Ibérico, convivendo com índios, negros, crioulos, a fronteira e a colonização, Gracián esteve no vero centro de poder desse mesmo Império à época da Contra-Reforma. Enquanto o estilo de Vieira é uma espécie de pororoca verbal - mas de fluxo admirável, a ponto de Fernando Pessoa chamá-lo de "o Imperador da Língua" - o de Gracián é puro desejo de criptograma e arte da epigramia. Gracián é a compensação dialética de Vieira. Uma pena que no Brasil tanto tempo seja gasto analisando filmes de Peter Greenway como índices de barroco. E, no entanto, não se leia nem Vieira, por um lado, nem muito menos Gracián, por outro. Afinal, culturalmente eles estão mais rentes a nós que Greenway. Certa feita, precisava investigar algo em um dos Sermões de Vieira e dirigi-me à biblioteca da universidade onde, então, lecionava. Demorei algum tempo nessa deliciosa tarefa. Localizei o Sermão que desejava - era o que se refere às três cegueiras. Mas o que me espantou, de fato: todos os volumes que consultei, bem como o que tomei emprestado não eram retirados em empréstimo há mais de uma década. Enquanto isso, os professores enchiam a cabeça da garotada de Barthes e Mcluhan. Os livros desse jesuíta - como os de Vieira - contêm tanta sabedoria, que trouxeram problemas diversos para ele (inclusive com a Inquisição, como os de Vieira). E podem ser lidos, como se lê esses manuais de sabedoria confucionistas orientais. Mas com uma vantagem. Por não passarem por um processo de tradução - inclusive cultural - mais drástico estão mais abertos a nosso entendimento. E a sugerir algo mais verdadeiro, por menos exótico e radicado no contínuo e na consequência históricos.



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