F.W. Murnau, 1924
Filmes lentos ou letárgicos?
Fazer ou não um filme em plano-sequência não é o ponto. O ponto é o que segue no fluxo dos planos. O ritmo, a coerência desse fluxo. Há obras-primas editadas em planos rápidos. Há filmes péssimos de planos intermináveis. Fazer um filme "lento" é apenas incorporar um ritmo que, em suposição, tem mais a ver com o assunto tratado. É claro que filmes de planos alongados tendem a descomprimir um olhar educado, que anseia por espaço, amplitude, registro de tempos mortos mais rentes aos ritmos da vida. Um espaço e uma amplitude de tratamento que conformam a excessão na TV, por exemplo. Mas isso não quer dizer grande coisa. O ritmo da TV é apenas uma norma sedimentada, que se coaduna à maravilha ao propósito de vender coisas, atiçar consumo. O que não quer dizer que planos curtos em si não retenham certos vagares de poesia articulada. Quem duvidar, que assista alguns dos filmes de Rohmer, por exemplo. A edição em planos longos tem, aliás, sido usada para referendar a preguiça mental e a ausência de fábula ou condão narrativo de um bocado de realizadores "experimentais" por este mundo afora. Não existe algo como um "filme lento". Mas existe sim o filme feio. O filme auto-complacente. Que se regozija de sua própria falta de imaginação ou beleza.
Quando Rohmer antevê em Resnais uma sensibilidade visual análoga à dos cubistas, ele está longe de se render a essa perspectiva. E em lucidez. Quer dizer, apesar de pressenti-la como um dado novo. A novidade de Rohmer, no entanto, é mais exigente que a de Resnais, porque insiste em se construir dialogando com procedimentos clássicos - inclusive fora do cinema. Sem muitas piruetas, vanguardices. Digerindo e reconformando algumas boas lições do que se convencionou chamar de cinema clássico. Insistindo em variá-las, descontinuá-las, desdobrá-las. É mais ou menos, mal comparando, o que a bossa-nova fez com a tradição do samba. A bossa-nova, por inteiro, não. João Gilberto, mais propriamente - que sempre rejeitou o rótulo e diz ser samba a música que fez e faz.
Desconfie de filmes "complexos". Especialmente se conduzidos por realizadores jovens. Eles assomam um tanto como poemas de jovens poetas que, nos mais das vezes, atestam por si que seus autores seriam incapazes de escrever um soneto, uma balada. Ou dimensionar a importância de um refrão.
De resto, a simplicidade e a transparência são mesmo especiarias às quais se pode chegar com planos de durações diversas. Ás vezes, imprevisíveis. Não há regra ou régua, aqui. A não ser nunca partir de um espontaneísmo raso, referendado por amigos na pele de críticos. O afeto em arte, quando vaza das obras para os obreiros, costuma ser mau conselheiro.
Quando Rohmer antevê em Resnais uma sensibilidade visual análoga à dos cubistas, ele está longe de se render a essa perspectiva. E em lucidez. Quer dizer, apesar de pressenti-la como um dado novo. A novidade de Rohmer, no entanto, é mais exigente que a de Resnais, porque insiste em se construir dialogando com procedimentos clássicos - inclusive fora do cinema. Sem muitas piruetas, vanguardices. Digerindo e reconformando algumas boas lições do que se convencionou chamar de cinema clássico. Insistindo em variá-las, descontinuá-las, desdobrá-las. É mais ou menos, mal comparando, o que a bossa-nova fez com a tradição do samba. A bossa-nova, por inteiro, não. João Gilberto, mais propriamente - que sempre rejeitou o rótulo e diz ser samba a música que fez e faz.
Desconfie de filmes "complexos". Especialmente se conduzidos por realizadores jovens. Eles assomam um tanto como poemas de jovens poetas que, nos mais das vezes, atestam por si que seus autores seriam incapazes de escrever um soneto, uma balada. Ou dimensionar a importância de um refrão.
De resto, a simplicidade e a transparência são mesmo especiarias às quais se pode chegar com planos de durações diversas. Ás vezes, imprevisíveis. Não há regra ou régua, aqui. A não ser nunca partir de um espontaneísmo raso, referendado por amigos na pele de críticos. O afeto em arte, quando vaza das obras para os obreiros, costuma ser mau conselheiro.
Olá, Ruy
ResponderExcluirO comentário sobre Herberto mais abaixo é bastante certeiro - ele conseguiu essa bela proeza de escrever metapoemas que cagam. E não foi na cagada. Foi de se manter mesmo perto do coração selvagem. A propósito, tenho um colega aqui que, no doutorado, estuda Clarice e ele. E ontem, por acaso, lemos em sala o poema "Húmus", onde ele desenterra o Raul Brandão. Que poema. E que modo de "reavaliar a tradição": não por teoria, mas torturando as palavras do precursor, fazendo-as presentes - fazendo o morto falar. O que é sintomático do esgotamento de que você fala no post sobre a Bienal é que, hoje, em Portugal, Herberto é quase sagrado, mítico. Não só pelo silêncio, mas, creio eu, pelo cansaço mesmo de toda essa arte que não diz nada. Quando vem alguém e diz, as pessoas sentem-se ditas. Não há teoria que reprima essa paixão.
Uma pergunta: de onde é aquela frase do uncle Witty sobre tradição?
Abraço,
olá, odorico,
ResponderExcluircara, dei boas risadas ao ler sobre a quebra da mão de stevens no queixo do canastrão hemingway. só acho q. v. pega pesado às vezes nessa comparação com scott-fitzgerald. acho fitzgerald mais refinado. mas ñ vejo tanta distância assim. joyce dizia q. um dos melhores contos q. já havia lido era 'a clean well-lighted place', um conto curtinho do hemingway.
bom, ñ percebi onde está a referência à tradição aludida por v. tenho escrito tanto nos últimos dias q. ando meio tonto. pô, q. coincidência a sua colega estar estudando justo helder e clarice (e haver referência a ela, ao final da postagem de helder...). mas isso faz parte.
forte abraço,