Leni Riefenstahl, Olympia, 1938
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Uma questão de gênero
Que designação seria dada ao marido de Dilma Rousseff, no caso de ela, eleita, ter um: primeiro-senhor, primeiro-cavalheiro, primeiro-par, primeiro-consorte, primeiro-marido, primeiro-cônjuge, primeiro-respectivo, primeiro-esposo? Ou numa versão PT: primeiro-companheiro? [Não vale brincar: primeiro-gigolô, primeiro-amante... Uma só certeza: seria o primeiro "primeiro-alguma-coisa" de nossa história política].
Mas talvez isso nem seja necessário, uma vez que ela divorciou-se duas vezes e se encontra solteira. E sabe-se lá se faz planos de casar. Provavelmente não. Há muitos outros assuntos em pauta. A primeira prefeita eleita numa capital brasileira, em 1985, chamava-se Maria Luiza Fontenele, e fez uma desastrada administração em Fortaleza. Era também do PT. E também divorciada duas vezes. Talvez por isso, à época, não surgiu a atroz dúvida acima. Alguns anos depois, São Paulo elegeu Erundina, mas, bem, ela era, para variar, solteira também. Embora não divorciada. A atual prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, também é solteira. Parece que casamento e executivo feminino não se dão muito bem. Os gaúchos, no entanto, são governados por Yeda Crusius, que tem um marido. Mas o chamam, com notável falta de imaginação, apenas de "o marido da governadora".
Uma pergunta: será que ele seria admitido num encontro de primeiras-damas? Se não for, é DISCRIMINAÇÃO!
II SIMPÓSIO DE POESIA CONTEMPORÂNEA - SIMPOESIA
Experiência literária de quatro dias, que reunirá entre de 4 a 7 de junho de 2009, vozes das mais relevantes da poesia e da crítica literária internacional, além de uma feira de editoras independentes de poesia do Brasil e Argentina promovida pela revista Grumo.
Um encontro que envolve a troca de ideias, a exposição da diversidade intelectual e o intercâmbio artístico e cultural entre diversas expressões da poesia contemporânea.
Curadoria: Virna Teixeira
Realização: Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo
Produção: Casa das Rosas e Organização Social POESIS de Cultura
Patrocínio: Instituto Cervantes, Consulado do México e Centro Cultural da Espanha em São Paulo
Web site: http://www.simpoesia.
Prorrogação Pessoal do Estádio Oblíquo
para Victor da Rosa
ainda zero a zero
é a final, estádio cheio
você, ponta-de-lança
de raro elenco,
aos quinze do segundo tempo
segue tragando palavrões
no metro, pelo capim
sob um sorriso discreto
até bater nas mãos do
volante de contenção convocado,
enquanto ouve o urro da galera
para o professor:
“burro, burro”, e
passa o resto da vida
saindo daquele gramado,
o filme, na cabeça, a repetir
tudo o que você teria jogado
naquela meia-hora sem fim.
que vida não é assombrada
por um calvário assim
num lance ou noutro
nem que por um quarto
de hora escroto?
* * *
Nixon sob os oitizeiros
A Ruy Vasconcelos
Nixon nos encarava triste, sem rancor pela TV Colorado.
Entre pessoas de meia idade comentava-se: “só lhe restam as meias.
Os sapatos lustrosos foram confiscados pelos congressistas", disse a Maggy.
De alguma maneira comovia-me a despedida de Nixon, o anti-herói. Alguém que envergonhava John Wayne e os rapazes no Camboja.
Passei a sonhar com enormes borboletas que resgatariam Nixon para uma casa de verão em Cape Cod.
Em agosto, meu pai resolveu fazer uma rápida visita ao Cura D´Ars, saiu sem que ninguém percebesse. Nunca mais voltou.
Voltei a lembrar de Nixon. Os milicos incensavam Caxias na praça da Bandeira. O bispo afagava-me o cocuruto, eu colecionava tampinhas pelas coxias.
Volto a sonhar com enormes borboletas, atravessando poderosas a Costa Barros, enquanto Nixon e meu pai conversam animadamente sob os oitizeiros.
-O menino anda meio esquisito ultimamente, talvez seja melhor chamar o Padre Moreira.
O jesuíta obrigou-me ler em dias alternados a Carta de Paulo aos Coríntios.
Esqueço o amor paulino, volto a TV Colorado, agora com a certeza de que Leivinha e Marinho Peres derrotam a Laranja Mecânica. Em vão.
Depois do Cruiyff e do Watergate nunca mais fui o mesmo.
Aldir Brasil Jr.
* * *
Money
Quarterly, is it, money reproaches me:
'Why do you let me lie here wastefully?
I am all you never had of goods and sex.
You could get them still by writing a few cheques.'
So I look at others, what they do with theirs:
They certainly don't keep it upstairs.
By now they've a second house and car and wife:
Clearly money has something to do with life
- In fact, they've a lot in common, if you enquire:
You can't put off being young until you retire,
And however you bank your screw, the money you save
Won't in the end buy you more than a shave.
I listen to money singing. It's like looking down
From long French windows at a provincial town,
The slums, the canal, the churches ornate and mad
In the evening sun. It is intensely sad.
Philip Larkin
Dinheiro
Quinzenalmente, será, o dinheiro me reprova:
'Por que me deixar mofando aqui na cova?
Sou tudo que você não teve de sexo e pileques
E ainda pode tê-los preenchendo uns cheques'.
O que outros fazem dele, é questão curiosa:
Já têm uma segunda casa, carro e esposa.
Decerto, não o mantêm no sótão, feito jazida:
Líquido, dinheiro tem algo a ver com vida.
Ambos têm muito em comum quando se pesquisa:
Mas se você banca a sovinice, acumula divisas,
E, de jovem, desanda a poupá-lo até se aposentar,
Não te paga no fim muito além de um barbear.
Ouço o canto do dinheiro. É mirar do piso superior
Por amplas janelas, numa cidadezinha do interior,
Os casebres, o canal, os brocados da igreja em riste,
Doidos, ao entardecer. É intensamente triste.
* * *
Bookworm
I open the second volume
of a rose
and find it says, word for word,
the same as the first one.
The waves of the sea
annoy me, they bore me;
why aren't they divided
in paragraphs?
I look at the night
and make nothing of it—
those black pages
with no print.
But I love the gothic script
of pinetrees and
on the pond the light's
fancy italics.
And the cherry tree's petals—
they make
a sweet lyric, I appreciate
their dying fall.
But it's strange, girl, how I come back
from the library of everything
to stare and stare
at the closed book of you.
When will you open to me
and show me the meaning of all
the hard words
in the lexicon of love?
Norman MacCaig
Rato de Biblioteca
Abro o segundo volume
de uma rosa
e constato que diz, palavra por palavra,
o mesmo que o primeiro.
As ondas do mar
me irritam, fico entediado:
por que não são divididas
em parágrafos?
Observo a noite
e dela nada faço—
Essas páginas negras
sem impressão.
Mas adoro o cursivo gótico
dos pinheiros e
no lago o falso itálico
das luzes.
E as pétalas da cerejeira—
elas compõem
uma lírica suave, aprecio-lhes
a agonia da queda.
Mas é estranho, menina, o modo como
retorno da biblioteca de tudo
para fixar e fixar
teu livro fechado.
Quando me vai abri-lo,
mostrar-me o significado de todos
os difíceis termos
no léxico do amor?
* * *
Anos 70, sábado, 10 horas, sessão do Cinema de Arte no Cine Diogo. O filme era de Luis Buñuel. Augusto Pontes sentado sozinho numa das fileiras de poltronas. Na fileira à sua frente um casal de namorados, ansiosos por entender as tramas surrealistas de Buñuel. Eis que numa cena aparece em primeiro plano uma galinha. Os namorados começam a cochichar, tentando entender o significado. Augusto se impacienta com o colóquio e diz: “Isto não é uma galinha, é um símbolo”. Os jovens silenciam assustados, mas gratos pelo esclarecimento. Cenas adiante aparece novamente a tal galinha. A jovem, toda excitada cutuca o namorado: “Olha aí, o símbolo!”. Augusto, irritado com a conversa, semeia a confusão epistemológica: “Não, agora é só uma galinha”.
* * *
Tamer and Hawk
I thought I was so tough,
But gentled at your hands,
Cannot be quick enough
To fly for you and show
That when I go I go
At your commands.
Even in flight above
I am no longer free:
You seeled me with your love,
I am blind to other birds?
The habit of your words
Has hooded me.
As formerly, I wheel
I hover and I twist,
But only want the feel,
In my possessive thought,
Of catcher and of caught
Upon your wrist.
You but half civilize,
Taming me in this way.
Through having only eyes
For you I fear to lose,
I lose to keep, and choose
Tamer as prey.
Thom Gunn
Adestrador e Falcão
Pensei que tinha vigor
Mas sob teu toque brando
Não tenho veloz sobrevôo
Para ir longe, mostrando
Que quando eu vou eu vou
Sob teu comando.
Mesmo acima, na senda
Já não há só liberdade:
Teu amor é uma venda,
Fiquei cego a outras aves?
Tua conversa de encomenda
Me impôs grades.
Como antes, eu giro
Mergulho, parafuso,
Mas só quero o respiro
De meu zeloso impulso
De presa e predador
Sobre o teu pulso.
Assim quase me domaste,
Domesticando-me a rudeza.
Não tenho olhar que baste
Em ti, e receio a surpresa
De perder-te, ao tomar-te
De adestrador por presa.
* * *
Hoje no jornal: 84x14 e a iniciação sexual de Airton Monte
De momento, discute-se a reforma da Lei Rouanet de incentivo à cultura. E é bom que seja bem discutida. Dos recursos disponibilizados pela lei, até aqui—e espelhando o desequilíbrio econômico entre as regiões brasileiras—, o Sul e o Sudeste abocanharam 84%. Enquanto isso, as três outras regiões, Nordeste, Norte e Cento-Oeste ficaram com míseros 16%. E, no entanto, ao contrário do que prega o secretário de cultura do Ceará, Auto Filho, hoje, em matéria de O Povo, parece equívoco que se repassem verbas diretamente aos municípios sem a mediação de editais. Sabe-se muito bem o que ocorre se não há um controle, uma auditoria sobre esses recursos. Algum critério ou dispositivo que assegure que essas verbas sejam, de fato, empregadas em cultura. Ou seja, a exemplo de todas as políticas assistencialistas, apenas um volume muito escasso dessas verbas chegará, de fato, a contemplar os propósitos para as quais são destinadas, na ausência de uma estratégia forte de prestação de contas. O grosso volume delas, como historicamente tem sido no caso de flagelos e secas, é afanado pelas oligarquias locais para fins nada nobres. Também me chamou atenção que a discussão em torno de nossa principal lei de incentivo à cultura desperte tão baixo interesse por parte dos leitores de O Povo. A matéria que trata da questão sequer chega ser comentada, enquanto, por exemplo, a crônica em que Airton Monte discorre sobre sua iniciação sexual, despertou um pequeno furor.
Talvez porque às pessoas, a fruição da cultura vem antes dos mecanismos burocráticos que a possibilitam. E nisso nada há de muito errado.