quarta-feira, 29 de abril de 2009

Sobre Freud, Lacan e Odair José


Le Corbusier, Chaise Lounge



Adivinha o que brilha mais



Le Corbusier é uma das celebridades do alto-modernismo que mais fascina o universo de língua inglesa. Há atualmente nada menos que 8 (oito!) biografias em catálogo sobre o arquiteto franco-suiço no idioma de Shakespeare. E na semana passada, uma ampla resenha sobre elas no New York Review of Books. Outras já haviam saído, à virada do ano, e em prestigiosos jornais e revistas norte-americanos, como The Nation, International Herald Tribune ou Washington Post.

Quase todas se assemelham. Os biógrafos mal disfarçam sua admiração diante do acúmulo de talento, poder e prestígio desse filho de um relojoeiro calvinista que desenhou para o próprio pai uma casa inabitável, apesar de caríssima. Todos ressaltam, de outro modo, que a obsessão de Le Corbusier era, de fato, a mãe. E fazem esquematicamente da vida do influente arquiteto uma espécie de ode ao complexo de Édipo. Ou uma via-crucis do menino mimado.

O que há nessas biografias de tão previsível? Algo análogo ao que David Foster Wallace apontou numa brilhante resenha sobre uma biografia de Borges: a redução da obra em prol de um psicologismo barato. Um psicologismo que reduz a obra do biografado da vez a uma sorte de linha reta provinda de certa eleição de comportamento em análise: no caso de Borges, sua falta de jeito no relacionamento com as mulheres, mas também - e a exemplo de Le Corbusier - um excessivo apego à figura materna. Pronto, basta que o leitor se sinta um pouco cativado pela própria argúcia...

Trata-se de biografias que fazem o leitor "sentir-se" inteligente.

Mas será que explicam alguma coisa mesmo? Ou são apenas, como sugere Foster Wallace, um engodo que visa, entre outras, simplificar as coisas, ao propor nexos causais que parecem afagar o ego do leitor no sentido de jogar para ele, feito isca, uma espécie de esquema monocausal, que, ao mesmo tempo que busca uma chave para todos os mistérios também faz esse leitor sentir-se mais... inteligente? [Algo análogo ocorre em filmes, como no medonho Meu Nome Não é Johnny].

Acautelar-se diante dessas biografias que parecem insinuar, ao modo de um clássico vt publicitário dos anos 70: "adivinha o que brilha mais:/ o assoalho da mamãe/ ou sapato do papai?"

Assim como não se pode reduzir a obra de Kafka á tirania do pai, é fazer café pequeno de gente como Borges ou Corbusier restringir o vetor de criação deles ao fato de serem supostos "menininhos-da-mamãe". Os leitores, no entanto, adoram essas reduções psicologizantes. Elas parecem "explicar" muita coisa do processo criativo desses gênios. Tudo. Como se "tudo" fosse passível de explicação. Ainda que por Freud, Lacan ou Odair José ("felicidade não existe/ o que existe na vida são momentos felizes").



* * *

O homem que colecionava cidade


[s/i/c]



Modus Espelendi Parvulos e o Cu da Gia


João Nogueira é mesmo um cronista surpreendente. Basta se ler dele notícia sobre os antigos lampiões de rua, que se acendiam queimando azeite de peixe. O modo talhado como Nogueira os descreve vale mais que uma sequência de fotos. Ou então, sua crônica sobre os antigos e lúgubres enterros noturnos, para se dimensionar a profunda modificação da relação entre o homem e a morte numa capital provinciana do Brasil, durante o espaço de algumas décadas, a partir de meados do séc. XIX. Ou as metamorfoses do senso de religiosidade embutidas nessas descrições. Ou o quanto os costumes se modificam numa vertigem sem peias. A procissão de penitentes, cuja vanguarda, segundo a lenda, deitava-se ao limiar da Igreja do Rosário para ser pisoteada pelos que vinham atrás. Para indicar, quem sabe, que os últimos seriam os primeiros. Ou os salmos alegres que se cantavam quando morria uma criança, um "anjinho". E o padre oficiante do enterro enfiava pela Rua das Flores (atual Castro e Silva) com um largo sorriso no rosto como que conduzindo uma pequena festividade, à frente do esquife, escoltado por um bando de coroinhas, seguido do maior número de crianças que se poderia reunir à ocasião, ao modo de uma ciranda organizada. A esse antigo rito católico dava-se o nome – provavelmente num latim estropiado ou gralhado – de Modus Espelendi Parvulos. Ou o inventário dos nomes antigos de ruas, praças e logradouros de Fortaleza. O antigo descampado onde se situa, hoje, o Mercado São Sebastião, ao início da atual Av. Bezerra de Menezes, por exemplo, era conhecido por todos os fortalezenses, desde os com títulos de nobreza aos carregadores de tonéis onde se acumulavam as fezes de uma residência nos tempos em que não havia esgotos, de O Cu da Gia.



* * *

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A estratégia mais gostosa


[s/i/c]



Teología de la Liberación



fazer filhos de maio a maio
é a estratégia mais gostosa
de arregimentar eleitores
neste mundão paraguaio



* * *

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Time de respostas para uma indagação ociosa II


[s/i/c]




-O que você pretende com seu blogue?


-Mudar o mundo - diz o megalômano.

-Cantar os dias - diz o melômano.

-Contar os dias - diz o estatístico.

-Descobrir essa coisa MINHA, intransferível. Inefável. Algo, assim, que traduza EU mesma em interação com outro e que, sem deixar de ser MEU reflexo, passe até os demais tudo de melhor que EU tenho. Com ou sem nexo. Porque EU sei que a lua cheia não é cheia se EU mesma não a olhar. Porque, sabe, até mesmo o céu é a gente que inventa. E só EU sei - e como EU sei - que EU sou essa energia que é oito ou oitenta - diz a atriz.

-A expansão do impasse - diz o poeta de vanguarda.

-Celebrar o sublime - diz o poeta sem vanguarda.

-Dificultar a evasão dos elementos do local do crime - diz o senhor seu guarda.

-Coisificar a palavra - diz o poeta concreto.

-Dilatar o conhecimento sobre o ânus e o reto - diz o proctologista.

-Mandar-te um ramo de alecrim - diz o revolucionário português.

-Ser rebelde, porque a vida quis assim - diz Lílian, em tom de pranto.

-Entreter os outros enquanto parlo - diz o cronista.

-Saber quem eu sou - diz Roberto Carlos.


* * *

Um time de respostas para uma indagação ociosa I


[s/i/c]



-Que cê acha do Brasil ser governado por uma mulher?


-Se já houver passado da menopausa, como aquela alemã, tanto melhor - diz o psicanalista.

-É bom que seja casada no religioso. Caso contrário, uma solteira resolve - diz o padre.

-Se não tiver participado da luta armada, melhor ter colhões - diz o "companheiro".

-Coração de mãe só se engana na presidência... - diz o cínico.

-O pior é que nem com uma flor a gente vai poder bater nela - diz o jornalista.

-Que respostas mais preconceituosas! - diz o fi'd'uma égua.

-Como ela é velha! - diz uma mulher ligeiramente mais nova.

-Como ela é nova! - diz uma mulher ligeiramente mais velha.

-Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz - diz o anarquista.

-Poderosa! - diz o esteticista.

-A condição de mulher é o período na vida de uma fêmea após sua infância, geralmente marcado fisicamente pela ocorrência da menarca - diz o redator da Wikipédia, após assegurar-nos de que "na infância, normalmente é denominada em português como menina e na adolescência como moça ou rapariga (este último termo, de conotação pejorativa no Brasil)".

-Nada de mais - diz o cidadão comum (caso ele existisse).

-Ela até que ficou melhorzinha depois do recheio de botox, mas que vestido horroroso! - diz uma outra mulher no dia da posse.

-Uma boa idéia! - diz Vinícius de Moraes no Paraíso.



* * *

sábado, 18 de abril de 2009

Tudo que perpassa ou permeia


Roy Linovsky, Defesa de Tese, 1969



Breves



Monografias, dissertações, teses
Tudo que "perpassa" ou "permeia" por um "viés" tem uma maior possibilidade de ser conto do vigário.

* * *

Estudos Culturais
O conceito de identidade, central para os professores brasileiros que copiam Stuart Hall e a senda dos estudos culturais (cultural studies), assoma um bocado suspeito, embora seja hoje uma espécie de panacéia. A chave que abre as sete portas. Para entender porque "identidade" é um conceito que pouco esclarece, clique AQUI.

* * *

Poder e Cultura
Gestão cultural: algo hoje tão necessário quanto CHATO. Gestores, curadores, facilitadores, multiplicadores, ativistas, produtores, mediadores... E pensar que a vida, se você não se cuidar, pode se resumir a isso! A burocracia. Por que não há mais aqueles intelectuais da estirpe de um Rodrigo Melo Franco de Andrade? Aqueles que administravam bem e sem tanta algazarra: criavam órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico, conseguiam verbas, tombavam edifícios, fundavam museus, catalogavam obras de arte... E tudo sob uma discrição quase monástica.

Invejável, de fato.

* * *

Lei de Incentivo à Cultura
Parágrafo Primeiro e Único: Não importa o modelo de legislação em vigor para a cultura, a iniciativa privada sempre será capaz de arrancar do governo o cêntuplo do que o governo esmola junto à iniciativa privada.

Mesmo que se revoguem as disposições, os contrários, a hipotenusa, a soma do quadrado dos catetos, os incentivos fiscais e a Lei de Talião.


* * *

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Sim, uma música forte... mas sem as manguinhas de fora


[s/i/c]




Cadê o notebook?



Fortaleza é uma cidade de música forte. De música de porta a fora. Ouve-se música no supermercado, nos bares, no consultório do oftalmologista, na rua, nos apartamentos, por vezes (argh)! em volume ensurdecedor nos carros. E até na Bienal do Livro. Ouve-se música a valer nos ônibus. Nas barracas de uma praia loteada. Quase sempre, na praia, como em muitos outros locais "públicos", música de gosto duvidoso e altura sem futuro. Aqueles forrós medonhos que transformam em trapo tudo que tocam, num andamento frenético. E que lembram a vulgar carranca de maquiagem das bailarinas - que, em parte, parece ter sido absorvida por boa fração das garotas da cidade.

Se duvidar há música até nas enfermarias, maternidades e UTI's. Nos fóruns e tribunais. Nas igrejas Evangélicas e nos cultos da Renovação Carismática, elas são muito parecidas: têm três acordes, se tanto, um refrão grotesco de base onomatopaica e remetem a um filme de terror. Um filme, aliás, que bem pode ser dirigido por Padre Marcelo Rossi. Em resumo, esses "cânticos" parecem haver sido compostos nos quintos dos infernos. Ainda bem que há, para compensar, os vendedores de chegadinho. Cada um deles seguindo um padrão rítmico diverso ao triângulo, enquanto seguem vendendo seus confeitos numa flanagem sem fim, quarteirões adiante.

Também auspiciosos são os dias de chuva. Em que o silêncio se destaca um pouco mais, sob a música dos pingos.

Fortaleza é uma cidade de música forte. À sua vez, parece também um sacrilégio dizer isso. Especialmente quando se sabe que pouca gente, de fato, vive de música na cidade. E, no entanto, há tantos vivendo para a música. Vá a qualquer bar ou boteco da Aldeota: do Mistura Cenários ao Bar do Papai, do Arlindo ao Fafi, passando pelos Bebedouros e Cafés Pagliucas da vida, e todos têm sua dose de música ao vivo. Seu cardápio sonoro.

Ouve-se de tudo: jazz, bossa-nova, covers de rock, tecno, rap, samba, chorinho, velhas serestas... Temos até nossa própria e intransferível Lady Day: a imprevisível e temperamental Fátima Santos. Uma roda se reúne às quartas na Mercearia, ao lado do Mercado dos Pinhões, para escutar o programa de jazz de Maurício Matos, pré-gravado na Rádio Universitária. Bom programa. Há músicos para todos os gostos e estilos. Gente jovem tocando como gente grande, talentos escorrendo pelo ladrão. Desde covers de Raul Seixas no Cantinho Acadêmico á sofisticação de grupos como a Marimbanda ou instrumentistas da estirpe do violonista e bandolinista Carlinhos Patriolino ou do saxofonista Márcio Resende.

E, no entanto, quase nenhum desses músicos que vendem seu talento a preço de banana aos proprietários de bares e botecos se deram conta de quatro notas dissonantes: i. o conceito do cd, de "gravar e editar um cd", já foi pro espaço há muito tempo; ii. as imensas possibilidades do mundo digital e da internet ainda não são vistas nessas apresentações; iii. as gigs são quase sempre de standards, não funcionam como amostras de criações individuais ou coletivas; iv. praticamente inexiste, mesmo nas gravações de estúdio, uma concepção mais apurada de arranjo ou direção musical. Os instrumentistas, que são vários e excelentes, em sua maioria confundem velocidade com virtuosismo; excesso de acordes com sofisticação harmônica. Musicalmente, o resultado é uma espécie de "monocordia" praticamente desprovida de um aspecto fundamental: dinâmica.

Os sinais de que isso tudo iria cansar, num dia não tão distante, foram surgindo com lentidão geológica. O primeiro álbum praticamente a prenunciar o final do cd gravado em estúdio, cá por Fortaleza, por exemplo, já data de 2002: Kinobox, um disco produzido por um piauiense chamado Dustan Gallas para o grupo Realejo Jazz Quartet, do qual ele fazia parte. Escrevi sobre esse disco à época para O Povo. O álbum foi todo gravado em casa, à base de bricolagem real e digital e um notebook MaCintosh. Da bateria gravada no banheiro, de distorções de voz usadas como serialidades percussivas. Ele porta sonoridades surpreendentes. Uma grande dose de inquietude e invenção.

E assim se passaram sete anos. O Dustan apurou ainda mais sua perícia para produzir sons a partir da eletrônica e dos dispositivos digitalizados. Tornou-se um produtor refinado, que aponta para a bricolagem digital. Para calibrar sonoridades estranhas, à margem da assepsia e da limpeza insípida das mesas de controle de som multicanais dos grandes estúdios da cidade.

E, ainda assim, meu compadre, sete anos depois, ainda é raríssimo ver uma banda, um músico que também "toque" notebook em sua gig de barzinho. Parece que a maioria ainda sonha em entrar no estúdio com uma mesa de 64 canais, gravar um superdisco de doze faixas e ter seu talento sancionado pela Associação dos Críticos do Estado de São Paulo. Mas peraí. Num tá faltando uma dose de ousadia aí não, camarada?


* * *

Expressar com mais sutileza: nota pessoal sobre documentários & mais além


Gabriel Andrade. Still de Uma Encruzilhada Aprazível, 2006


Ruy Vasconcelos. Still de As Vilas Volantes, 2005





O que é feito com dinheiro público há que ter uma dimensão pública
-mesmo e principalmente sem perder arrojo na linguagem


i. Migrando para o computador
O público médio de um filme documentário no Brasil é de 20.000 espectadores. Ou seja, a audiência de um documentário que, de fato, chega a ser distribuído nas salas de exibição de cinema. E, ainda aqui, em ponta de estoque: sessões de arte, salas de cinematecas, museus, centros culturais, etc. Partamos deste dado para pensar nas possibilidades democratizantes das chamadas novas mídias. Este blogue, por exemplo, desde setembro passado, quando instalamos um contador, já foi visto por mais de 18.000 pessoas. Estamos quase lá. E em apenas oito meses. Ora, é claro que isso aponta para o quanto as salas de cinema concentram um público extremamente exíguo entre os que vêem imagens hoje em dia no país do samba. Que esse público, que busca imagens, [digamos, aqui, mais propriamente as imagens de filmes], depois de haver passado pela experiência da televisão, conveniada ao breve interregno do vídeo-cassete, do dvd (como dispositivo autônomo, alâmbrico), e dos canais por assinatura, migra mais e mais para o computador.

* * *

ii. Absolutamente necessário, esse toró
As câmeras digitais [pequenas, portáteis, baratas] e a edição não-linear [feita em sofwares como o Final Cut ou o Adobe Premier, num computador só um pouco mais robusto que o seu] facultaram o documentário a sabinos e cabanos. Embutida nessa vantagem do número também se implicita a desvantagem de confecção de uma vasta maioria um tanto "desajeitada" de realizações. Uma chuva torrencial e vertiginosa de novas imagens. E, no entanto, absolutamente necessário, esse toró. Pois ao menos de dentro do número podem emergir maiores possibilidades de algum esmero. Além desse número alavancar a indústria do audiovisual em Roraima, no Amapá ou em outros estados ainda mais distantes do tradicional "eixão" - que se tem roído de ciúmes por conta disso. Pois, claro, quem está acostumado ao filé-mignon e à exclusividade de um bom bordeaux, em termos de editais e verbas, se encontra muito pouco disposto a repartir, ainda que seja o pão de centeio, com os demais.

* * *

iii. Uma divisão depropositada
É obtusa a pendenga, a propósito do montante de verbas para financiamento, via editais, que se quer criar entre as outras linguagens artísticas e as que envolvem o audiovisual. Está claro que, digamos, editar um livro é substancialmente mais barato do que pesquisar, roteirizar, orçar, produzir, gravar, editar (imagem e som) e finalizar um filme. Mesmo em vídeo e lançando mão de edição não-linear. No caso do filme, só para criá-lo, há que se pagar uma equipe. Profissionais que vivem disso: roteiristas, produtores, produtores de campo, diretores, assistentes de direção, diretores de fotografia, engenheiros de som, assistentes de câmera, diretores de arte, fotógrafos de still, pesquisadores, editores de imagem e de som, continuístas, atores, maquinistas, compositores de trilhas, músicos, figurantes... Além disso, há que se pensar na logística, no transporte, na acomodação, na alimentação desses profissionais, que, não raro, se deslocam até regiões distantes, por vezes exóticas - enfrentando desconfortos, isolamentos, precariedades, limitações de comunicação, diversão, contato, outros costumes e usanças, etc. - para a gravação de um filme. Para não falar no gasto com equipamentos: fitas de vídeo, aluguel de sets de iluminação, rebatedores, lentes, gravadores, microfones, gruas, steady-cams, direitos de imagem de arquivos, direitos autorais de fonogramas, latas de negativos... E, de resto, quantos e quantos livros estúpidos, mal redigidos, sem compromissos de pesquisa ou empenho histórico são lançados via editais públicos? Pior: até livros individuais de poesia [antologias de poesia, (em especial estrangeiras), traduções de qualquer gênero, ensaios (sobretudo históricos e do patrimônio coletivo) e romances a parte - pois estes, por razões distintas e estratégicas deveriam constituir prioridades] são lançados via editais públicos! O fato de haver maus filmes feitos com dinheiro público é apenas a contrapartida ou o "acidente" disso tudo. Mas nem sempre um mal. Um projeto é uma aposta, afinal. Um risco. Mas ao menos, no caso do audiovisual, um risco em que entra o trabalho coletivo de uma equipe, de um grupo. E, portanto, o risco é muito mais filtrado, mediado, avaliado por várias cabeças. Além disso, não se deve esquecer que o potencial de alcance e audiência, como no caso do bem desenhado programa Doctv, do Ministério da Cultura, é de milhões de pessoas no país inteiro. E assistindo documentários gravados em todos os estados brasileiros (aspecto dos mais relevantes). Aqui, de outro modo se pode, digamos, contrastar esse alcance com o dos 1.500 privilegiados (se tanto) que dispõem de dinheiro e educação formal elevada para comprar um livro de poemas. É um bom parâmetro de contraste. Note que, em termos de alcance, a razão vai de umas poucas centenas de leitores, geralmente concentrados nas capitais e nos grandes centros, detentores de altíssimos níveis de escolaridade formal, a milhões de espectadores, das extrações sociais as mais diversas, espalhados pelos quatro cantos & mais os cafundós dos cafundós do país. E melhor, que gente desses quatro cantos e desses cafundós esteja, pela primeira vez, tendo a possibilidade de "fazer" cinema e ver esse cinema feito por eles veiculado nos demais estados - inclusive no "eixão" - via televisão. A tarefa não é pequena. É uma espécie de anti-telenovela. E o país será melhor com essas anti-telenovelas sendo produzidas no Acre e no Piauí. E por gente do Acre, do Piauí. E quanto mais, melhor. A auto-estima é coletiva.

* * *

iv. Sem suporte do circuito dos festivais mas com o empenho de uma grande equipe
De minha parte, fico feliz de os dois documentários mais autorais em que estive envolvido até aqui [As Vilas Volantes e Uma Encuzilhada Aprazível], ambos financiados mediante o programa Doctv, tenham sido vistos por milhões de pessoas em todos os estados da federação. E, mais, seguirem sendo reprisados em canais como a TV Sesc, a TV Cultura de São Paulo, e a TVE do Rio e as TV's educativas dos respectivos estados. E isso tudo, sem nem um nem outro haver entrado sistematicamente no circuito dos festivais, por pura e confessa negligência do Alexandre Veras e minha. [Ainda assim, recentemente, o Aprazível foi escolhido, por curadoria e espontaneamente, para uma mostra via Itaú Cultural, e apresentado em salas do Rio e Belo Horizonte; e As Vilas Volantes exibido no Festival de Cinema Brasileiro em Nova York, ao fim de 2008, por iniciativa dos coordenadores do Programa Doctv]. Mas, claro, boa parte do mérito de ambos os documentários, como peças de cinema em si, recai sobre uma equipe em que se encontra gente do conhecimento de causa de um Alexandre Veras, de um Ivo Lopes Araújo, de um Danilo Carvalho, de um Luiz Carlos Bizerril, de um Eudes Freitas, de um Gabriel Andrade, entre outros.

* * *

v. Modelos e Filmar o Real
Também me move e toca - e toca forte - o fato de ambos os projetos terem sido tomados como modelos e exibidos nas oficinas do Doctv, para novos realizadores, em Brasília, nos respectivos anos consecutivos. E também que críticas idôneas, da envergadura de Consuelo Lins e de Claudia Mesquita [que passam ao largo de "tchurmas", "bairrismos", "picuinhas locais" e "guetos"], hajam destacado tanto As Vilas Volantes quanto Uma Encruzilhada Aprazível em seu instigante livro Filmar o Real (Jorge Zahar, Rio, 2008), que traça um propedêutico panorama do documentário brasileiro contemporâneo. Um dos mais importantes livros editados sobre o assunto recentemente neste país.

* * *

vi. "Para expressar com mais sutileza o que penso"
Por fim, mas não menos importante, uma boa-nova: a Profª Agnés Clerc-Renaud, do Departamento de Etnologia da Universidade de Estrasburgo, me confessou recentemente que escreveu sua tese de doutorado em parte motivada pela leitura de um dos capítulos de minha dissertação de mestrado, As Vilas Volantes [1991]. O capítulo intitula-se "Louvores a Santa Adelaide" e trata, em largos rasgos, da religiosidade popular no distrito praieiro de Bitupitá [extremo oeste da costa cearense]. A Profª Clerc-Renaud empreendeu também uma bela tradução do capítulo para o francês, à qual intitulou "Louanges à Sainte Adélaïde". E, sobre o documentário homônimo [dirigido por Alexandre Veras em 2005], resultante desse primeiro esforço de pós-graduação, recebi da Profª Clerc-Renaud, anteontem, este generoso comentário:

"lamento que me falte o vocabulário na língua portuguesa para expressar com mais sutileza o que penso. Amei o filme pela "alma" desta região a qual me sinto profundamente ligada, que vocês conseguiram captar sem trair, pelo olhar terno sobre os personagens, pela restituição dum mundo poético a partir do verbo e da areia, pela radicalidade e singularidade do "parti pris" da filmagem que atinge ambas metas da arte e da sociologia. Agradeço por este presente e pelo curto encontro e espero ter outra oportunidade de conversar com mais tempo".

* * *

vii. Exportar cultura
Isso está um tanto dentro do previsto. E gosto que seja assim. Me regozijo. É importante pensarmos em exportar cultura e não só mimetizar teorias e, em contrapartida, vender soja, carne, banana, minério-de-ferro, etanol ou acriticidade travestida de recepção... [aqui tanto quando se pensa em arte como quando se pensa em idéia - ou seja, naquilo que era para achar justo na academia o seu locus por excelência].

* * *

viii. Revelar o invisível sem violar a visibilidade das coisas
Pego carona no ensejo para dizer: é superimportante estar a par de novas teorias sobre novas mídias e o uso que delas se pode fazer. Mas também para relembrar que há idéias tão boas que parecem soar quase insuperáveis. E, de resto, arte não é tecnologia - embora possa (e mesmo deva buscar) nutrir-se dela. Então, quando penso em imagem e combinada a som meu lema vem de uma tessitura das teorias de Bazin, Kracauer, Bresson, Ozu, Dreyer, Vigo, Cassavetes, Rohmer e Kiarostami. Parece muito. Mas não é. Pode ser expressa numa fórmula simples, que resumi assim: "o cinema revela o invisível sem violar a visibilidade das coisas".

Cinco sóis em uma hora


Anthony Davidson, Take Five, 1962




Quatro estilhaços e meio começando com 'um escritor'



um escritor que começa obcecado com o fato de seu texto ser ou não "decodificado" pelos leitores está mais interessado no impacto que o texto terá sobre os leitores do que no texto em si [ou seja, do que em revelar uma realidade, um desvio, um segredo, contar uma história, glosar um acontecido...]


um escritor quando escreve, não escreve para leitores [quem pensa em público, pensa em grupo; pensa em massa; pensa em múltiplo; pensa em bando; pensa em Maria, e em vai, e em com as outras. E quem pensa em número, pensa em numerário. Quem pensa em público já está censurado antes mesmo de digitar a primeira letra. Para pensar nos leitores há os políticos, os corretos, os marqueteiros, os assessores de imprensa, os publicitários, os maus jornalistas, os que nunca gaguejam, os que escrevem e apresentam telejornais, os psicanalistas, os líderes sindicais, os ditadores]


um escritor não pensa em códigos, decifrações, seu reino passa longe de semiologias, seu exílio faz parte de intuição, de verdade

um escritor não pode escrever pensando em fazer amigos, inimigos [ainda que o que ele escreva fatalmente resulte nisso]

um escritor não escolhe sobre o que escreve [como num sonho, é ele "o escolhido". Relendo depois, poderá sempre se justificar. Urdir causalidades. Traçar paralelos. Recolher cacos de passadas leituras. Rever-se. Acrescentar-se. Mas se essas justificações, causas, revisões, acréscimos acabam ganhando maior dimensão que seu próprio escrito, é porque este foi sempre menor. Quer dizer, foi sempre mais para bois e sonos. Não foi grafado com a força de sua intuição e de suas tripas, com o semi-automatismo da mão que segue, a mercê de um pensamento longe, em errância, divagação, desvio, viagem, vagabundagem, transumância, flanagem, exílio, migração. O automatismo da mão. A mão que segue quase sempre para onde nós não a mandamos]

um escritor escreve [e às vezes bem que sonha em, nas férias, seguir de moto até São Luís do Maranhão]



* * *

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Coágulo com vacâncias de tempo


[s/i/c]



Talk Is Cheap


Mais do que nunca, há um público que frui mais a conversa sobre a obra de arte que a obra de arte em si. Há um mercado de conversas sobre arte e compradores ávidos. Um mercado que se amplia esteado numa profusão de teorias acadêmicas que referem produções artísticas de duvidosa radicação histórica ou traveste-se de má retórica por trás de intrincados circuitos de "interpretação". Ainda assim, ouvidos desejam entupir-se de "novos conceitos".

O ponto é não atentar para legitimidade, validade, coerência e sinceridade desses conceitos. Esse tipo de discurso, de conversa, retroalimenta-se numa velocidade espantosa. Há gente que vive desses sofismas, dessas frases de efeito. Aos furos num queijo coalho chamam, digamos, "coágulo com vacâncias de tempo". O perigo dessas renomeações vazias é análogo ao das inconsistências políticas de um para outro mandato quando a máquina da administração muda de mando. E até mesmo os melhores programas e esforços ensaiados ou são renomeados (para se reganhar a originalidade da autoria) ou desvirtuados, ou ainda completamente esvaziados e extintos de suas potencialidades (quando esse reganho está indissociavelmente ligado à facção adversária).

O noves fora dessas arengas sobre cultura consiste em dois rumos: i. uma sorte de prazer: negar por negar. [negar apenas para alimentar a indústria do pensamento - já há décadas engessada no tempo vazio da academia. E, logo, negar até mesmo o que vale a pena ser resgatado e reabilitado pela pujança da memória]; e ii. os habituais, inconfessáveis interesses pessoais de poder e prestígio investidos nem tanto na criação mas na capitalização do impacto, da ressonância atingida. Vivemos numa época em que tornar-se personalidade pública está ao alcance de todos. Uma espécie de democracia da mediocridade.

Quer dizer, trata-se, ao fim de tudo, de negar consequência e desdobramento históricos ao que merece ser desdobrado e sequenciado no plano da boa promessa. A criação de conceitos sem lastro histórico converteu-se em moeda corrente. Uma espécie de praga. Ir a um simpósio, a um seminário, a uma palestra, a uma comunicação, a uma oficina e sair desses eventos tendo ouvido algo, de fato, consequente, enriquecedor é uma ocasião cada vez mais rara.

Porém tirar algo de sumarento dessas conversas exige um exercício de filtragem que tanto é mais bemvindo quanto mais exercitado com a transigência de tudo que aponta para a memória, a experiência e a história de uma coletividade.

Paradoxalmente, essa transigência requer certa dose básica de inflexibilidade. A bemvinda intransigência dos que se negam a fazer da área cultural apenas um espelho da política institucionalizada - com todos seus ritos laicos de lambuja, seu teor privilegista e pseudo-personalizador. A intransigência que é cada vez mais uma tímida (mas bemvinda) reação de consciência: responder com um redondo e sonoro NÃO á litania desses discursos sem qualquer grau de prioridade, que confundem a mais rasteira politicagem com arte ou polítca. Pois a litania desses discursos não resgaurda qualquer vínculo com a comunalidade, o cotidiano, o 'senso comum', o mínimo, a pobreza de experiência e a indigência de sensibilidade que ainda nos restaram. Conceitos como 'identidade', 'transdisciplinaridade', 'preconceito', etc. viraram uma espécie de má alegoria, no sentido de poderem apontar para tudo e, a rigor, desviar-se de qualquer compromisso histórico em relação à própria língua, à realidade em torno ou seu lento processo de consolidação histórica.

A certa altura, num momento de perigo, Simone Weil nos diz que "é preciso aceitar a situação que nos cabe e nos submete a obrigações absolutas para com coisas relativas". Um dos maiores problemas desses discursos enfadonhos, de outro modo, foi o de haver convertido essas "obrigações absolutas" em "obrigações relativas". Em parte, pela inaptidão ao sacrifício. Outro dia, na TV, podia-se ouvir - no contexto de mulheres que se separam na meia-idade - um ato, de resto, louvável, saudável mesmo na maioria dos casos - uma frase, filha dileta desse estado de coisas: "o sofrimento é inevitável, mas a dor é opcional". O ponto, aqui, é chegar, através dessa cadeia relativista, até mesmo a um sofrimento asséptico, indolor. Isso é possível?

A resposta é: NÃO!

Mas, cada vez mais, a mesa posta está para que a resposta seja: SIM! E à francesa. É a fórmula encontrada para que não sejamos nossos próprios testemunhos. Ou para que nos esquivemos de responsabilidade em relação aos testemunhos dos testemunhos passados.


* * *


quinta-feira, 9 de abril de 2009

Poema escrito em cima de um velho tapete persa


[s/i/c]



Balada dos Desolados da Meia-Idade



Aos quarenta e calvo, ele rumina:
"Que tal uma ruiva cheia de estamina"?

Sonha ainda em ser funcionário
Público, se aposentar com salário

Digno. Um dia ele foi digno, de fato,
Até gastar a sola do sapato

No degrau da faculdade de direito,
Onde em redondilha pôs seu pleito

Para ver se ela caía na conversa
Em cima de um velho tapete persa.

Mas improvisos são de outra geração
E tapetes novos, necessários; mesmo á prestação.

Então, ele fundou uma ONG ambiental
Que cuida de gauxinins no Pantanal;

Enquanto ela espera curar umas perebas
Ajudando a preservar a identidade dos Tapebas.

Mas nessa tara de ONG's emergentes,
Disputam: quem dos dois é mais decente?

Jogam charme na horta alheia, e, todavia,
Cada um enxerga menos a própria miopia.

Hoje, aos quarenta, entre os Tapebas, ela aprende
Que o que pode render troco, não se se rende.

Já ele, cuida dos guaxinins no Mato Grosso
até o ponto de o tráfico não cismar com seu pescoço,

E a algumas ruivas, ainda surpreende,
Queimando as receitas que acendem o duende.



* * *

terça-feira, 7 de abril de 2009

Quatro famílias famintas


Still de Garapa, José Padilha, 2009



Garapa (uma pré-notícia)


O diretor José Padilha veio ao Ceará e rodou, quase ao mesmo tempo em que esteve ocupado com Tropa de Elite, um documentário chamado Garapa. A edição, no entanto, só foi concluída recentemente.

O filme é sobre a fome. Sobre passar fome. Quatro famílias que cotidianamente passam fome. Não se pretende um filme político nos velhos moldes engagé - ao modo do Joris Ivens pós década de 20. Ou uma denúncia de programas sociais assistencialistas como o Fome Zero. O título faz referência à beberagem à base de água com açúcar ou rapadura que se ingere ou se dá às crianças para "enganar a fome", constituindo a reserva de calorias mais barata de se comprar. A rigor, o grande público ainda não viu Garapa, que foi exibido até agora apenas em São Paulo e Berlim, no circuito dos festivais. E tem despertado polêmicas. O documentário estreia nas salas de cinema tão-só em maio próximo, depois de passar, via festivais, por Nova York e outras cidades.

Mas o que parece sintomático é essa vinda de um diretor de fora, renomado, para tocar em um tema mais pé-no-chão, mais navalha na carne, mais esteado no cotidiano, enquanto boa parte dos cineastas e documentaristas locais se refugiam apenas no reino das pesquisas estéticas. E parecem se recusar a olhar para a realidade à volta com maior determinação e veemência. Pensam pelo grampo oposto: um tanto como se o valor da imagem em si superasse a realidade. A precedesse. Essa questão tem sido a pedra no sapato de muitos cineastas que realizam soporíferos planos de si mesmos ou de seus amiguinhos e namoradas na sala do próprio apartamento. Ou optam por um cinema da "neutralidade" (como se isso ao menos fosse possível).

Não se pode negar que para se ter um cinema forte é extremamente necessária a pesquisa dessas questões de linguagem. E uma abertura para veios cosmopolitas e temas pouco tocados. Mas também se pode argumentar: essas pesquisas não são nada quando não guardam contato incisivo - inclusive através de empréstimos estéticos - com realidades locais de longo curso e sedimento históricos. E mostrar realidades locais - essa tarefa tão simples, urgente e UNIVERSAL - parece ser algo que desperta certa repugnância e alergia em boa parte de nossos realizadores.

Olhe para a foto acima. O estado em que você vive é também isto. E isto também precisa ser exposto. Mais: pede para sê-lo. Tem pressa, fome. Não passa com tal grau de vagar e complexidade nas reportagens água-com-açúcar das televisões abertas locais.



* * *

Lotes no céu à prestação: Aleixo


[s/i/c]





Paupéria Revisitada


Putas, como os deuses,
vendem quando dão.Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).
Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.
Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
— na companhia das traças —
de tal “nobre condição”).
Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.
Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanksseu refrão.


Ricardo Aleixo





Nota- rá, isso soa. Pode-se imaginar a diversão do cara ao escrever algo assim. E a diversão nossa de leitores ao lê-lo. Que distância da chatice desses poemas que se pretendem a "expansão de um impasse". E que não juntam o verbo com o sujeito. Tomei este poema emprestado do blogue A Flauta-Vértebra.


* * *

É para melhor lhe cheirar, minha Netinha!


[s/i/c]




Que dentes tão grandes!


Na imprensa recente, a notícia mais bizarra trata de uma troca de mães no hospital.

Uma família levou para casa a mãe errada, enquanto a verdadeira morreu e foi sepultada. O logro só foi percebido dias depois, mesmo que um dos genros protestasse em timidez: "ela está, assim, um pouco diferente..."

Em que estranho século vivemos: filhos começam a estranhar mães. Isso faz lembrar aquele célebre trecho do Chapeuzinho Vermelho: "Mas, Vovó, que dentes tão grandes a senhora tem!"



*   *   *


Facilitadores


[s/i/c]




Cinco perguntas e meia


Aprender a escrever numa oficina de redação criativa equivale a aprender a sentir?

E caso a resposta seja afirmativa: quem vai lhe ensinar seus sentimentos? O "facilitador" da oficina?

Mas, então, se escrever é em parte a tradução de seus sentimentos e experiências, como eles foram despertos pelo "facilitador"? Possuirá o "facilitador" a chave de tão diferentes corações?

Alô?




*   *   *


A perspectiva holística & curadorias


[s/i/c]



Los Curadores



Há termos que entram em moda e acabam designando funções muito mais amplas do que originalmente pressupunham. É o caso dessas ondas de curadoria que se têm espalhado pelo país feito capim de bode.

Hoje há curadorias para tudo. Se duvidar, dentre em pouco, para as pautas do IV Encontro de Agentes Funerários do Brasil. O curador naturalmente irá chamar Zé do Caixão e fazer uma análise deleuziana do que há de "dobra", "outro" e "corpo sem órgão" na obra de José Mojica Marins.


Quem sabe também surjam curadores para leituras individuais. Eles conformariam uma sorte de personal trainers da mente, já que os curadores do corpo chegaram antes [o que é do corpo, sempre está na vanguarda de nossa cultura]:
-Este mês, Madame vai ler Guerra e Paz e O Pequeno Príncipe. Em maio, faremos uma tentativa interdisciplinar, lendo Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio e o Diário de um Mago de Paulo Coelho. É importante deixar de lado os preconceitos. A boa literatura vai da auto-ajuda à ajuda-alta. Além disso, não existe livro bom ou ruim. "Um livro é um livro é um livro é um livro", já dizia Gertrude Stein. Mas, por ora, antes de chegar na Gertrude, é bom que Madame faça umas flexões para desenrijecer o organismo e arejar a mente. O importante é manter a perspectiva holística - dirá o curador de leituras, sonhando coma a ajuda-alta que madame irá depositar em sua conta bancária ao final do mês.


* * *