terça-feira, 7 de abril de 2009

Quatro famílias famintas


Still de Garapa, José Padilha, 2009



Garapa (uma pré-notícia)


O diretor José Padilha veio ao Ceará e rodou, quase ao mesmo tempo em que esteve ocupado com Tropa de Elite, um documentário chamado Garapa. A edição, no entanto, só foi concluída recentemente.

O filme é sobre a fome. Sobre passar fome. Quatro famílias que cotidianamente passam fome. Não se pretende um filme político nos velhos moldes engagé - ao modo do Joris Ivens pós década de 20. Ou uma denúncia de programas sociais assistencialistas como o Fome Zero. O título faz referência à beberagem à base de água com açúcar ou rapadura que se ingere ou se dá às crianças para "enganar a fome", constituindo a reserva de calorias mais barata de se comprar. A rigor, o grande público ainda não viu Garapa, que foi exibido até agora apenas em São Paulo e Berlim, no circuito dos festivais. E tem despertado polêmicas. O documentário estreia nas salas de cinema tão-só em maio próximo, depois de passar, via festivais, por Nova York e outras cidades.

Mas o que parece sintomático é essa vinda de um diretor de fora, renomado, para tocar em um tema mais pé-no-chão, mais navalha na carne, mais esteado no cotidiano, enquanto boa parte dos cineastas e documentaristas locais se refugiam apenas no reino das pesquisas estéticas. E parecem se recusar a olhar para a realidade à volta com maior determinação e veemência. Pensam pelo grampo oposto: um tanto como se o valor da imagem em si superasse a realidade. A precedesse. Essa questão tem sido a pedra no sapato de muitos cineastas que realizam soporíferos planos de si mesmos ou de seus amiguinhos e namoradas na sala do próprio apartamento. Ou optam por um cinema da "neutralidade" (como se isso ao menos fosse possível).

Não se pode negar que para se ter um cinema forte é extremamente necessária a pesquisa dessas questões de linguagem. E uma abertura para veios cosmopolitas e temas pouco tocados. Mas também se pode argumentar: essas pesquisas não são nada quando não guardam contato incisivo - inclusive através de empréstimos estéticos - com realidades locais de longo curso e sedimento históricos. E mostrar realidades locais - essa tarefa tão simples, urgente e UNIVERSAL - parece ser algo que desperta certa repugnância e alergia em boa parte de nossos realizadores.

Olhe para a foto acima. O estado em que você vive é também isto. E isto também precisa ser exposto. Mais: pede para sê-lo. Tem pressa, fome. Não passa com tal grau de vagar e complexidade nas reportagens água-com-açúcar das televisões abertas locais.



* * *

Nenhum comentário:

Postar um comentário