Cao Guimarães e Rivane Neuenschwander, 2006
Tudo isso passou a ser mais importante do que o futebol
Faz pouco mais de dez anos que se tornou praxe pôr em quadro a reação dos treinadores de futebol à beira do gramado. Não sei por que acho que há algo de excedente nessa ampliação da câmera. E, embora tenha me acostumado com ela, pressinto que não avalizo de todo essa relevância dada à “reação” dos treinadores e a criação das chamadas áreas técnicas. Certamente a imagem ficou mais retalhada.
Talvez eu reaja assim porque venho de um tempo em que isso simplesmente não existia. Quer dizer, a câmera voltava-se para a partida. E, até inícios dos 90, para efeitos de televisão, a partida se resumia à ação dos jogadores. Assim, as câmeras – em muito menor número do que hoje - seguiam estritamente os vinte e dois e a bola. E só por eles se interessavam.
Nessa época, a rigor, o treinador não fazia parte da partida de futebol. E não só para efeitos de televisão. Sabia-se que ele estava por ali. Mas ele estava apenas por ali. Acessoriamente. Do lado de fora. Ás vezes, sequer aparecia em quadro. Na Copa de 70, que, aos sete anos foi o primeiro grande evento de futebol assistido (e que evento!), não me recordo de, uma única vez, a imagem descolar do campo para se dirigir ao banco. Isso seria uma heresia para os padrões da época.
O banco era completamente secundário. E, provavelmente, dentro de campo, os times eram modificados muito mais por iniciativas de jogadores como Gérson do que pelos gritos desentoados de treinadores como Zagalo. Treinadores que se sentavam naqueles remotos e, para o telespectador, quase inexistentes bancos de reservas.
Assim, as coisas se resolviam muito mais dentro de campo. E se resumiam muito mais ao que se passava no campo. Não havia imagens de bastidores: vestiários, entornos de estádios, ônibus. Casas de familiares de jogadores, nem pensar. E por que registros de treinos, se o que importava, de fato, era a partida?
Sequer na hora de uma substituição a câmera optava por planos de detalhe. Entrava um, saía o outro. Era rotina. Como não havia closes, sequer se percebia se o cidadão havia deixado o campo contrariado ou plácido. Isso não tinha a menor importância. Substituições eram apenas momentos chatos, porque interferiam no fluxo da partida.
Como tudo mudou. Hoje apenas em transmissões precárias a câmera deixa de transformar o treinador, o banco de reservas, a platéia – com uma eventual celebridade de permeio – em parte integrante da transmissão. E a reação de todos, por mais previsível que seja, passou a ser um elemento-chave na economia narrativa da coisa toda. Dá o que pensar essa relevância atribuída à reação das pessoas. Ou seja, a necessidade de sublinhar que elas se emocionam.
Não sei se gosto mais assim ou assado.
Certamente antes era, quiçá, mais fácil educar-se para perceber as nuances táticas. E justamente porque a ação era mais importante do que a reação. O jogo em si era o tema da câmera. Hoje, a câmera busca o espetáculo, não propriamente o jogo. Vive para registrar a reação do técnico, dos substitutos, da torcida. A reação dos próprios contendores, que outrora, preservada pela decorosa distância dos planos gerais, era quase que apenas intuída.
E tudo isso passou a ser tão ou mais importante do que o futebol.